sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

SAUDADE


A MORTE DE JOLY
Arlene Miranda

Aqui jaz Joly. Essa inscrição havia sido gravada num pedaço de madeira tosca em forma de cruz, fincado no local onde fora enterrada a doce Joly, nossa cadelinha de estimação.
Sua morte repentina fora muito sentida por mim e por minha irmã Goia, que chorávamos a perda de nossa companheira fiel, daquela que corria conosco pelos prados verdejantes, pelas campinas sagradas, molhadas de orvalho, em busca de flores do campo e de amoras maduras. Naqueles momentos, Joly parecia mais criança do que nós. Era sublime vê-la em desabalada carreira, rodopiando em volta do próprio corpo, numa liberdade que parecia divina. Sol escaldante, céu azul, límpido de nuvens ausentes, quietude do campo a nos trazer aos ouvidos o sibilar longínquo do vento. E Joly, ao nosso lado, pelo reluzente aos raios solares, com uma expressão no olhar que marcara para sempre a nossa saudade.
Enquanto corríamos, plenície afora, aos poucos a cestinha ia se enchendo de flores e dos frutos maduros, que íamos colhendo pelo caminho, cuja doçura saboreávamos com avidez, numa animação contagiante. E Joly, ofegante, à nossa frente, lingua pra fora, o olhar afogueado, sempre fiel, sem desgrudar de nós um só instante, como quem se encontra em estado de graça. Era comovente vê-la tão feliz e tão cheia de amor.
Quando Joly veio para nossa casa era tão pequenina que mais parecia um tufo de algodão, o pelo felpudo, cacheado, um doce olhar a espiar as coisas, como se quisesse descobrir, em cada canto, a felicidade. Era uma cadelinha encantadora, possuia uma magia tão própria que nos conquistou de imediato. Nosso amor por ela era tão grande, quase transcendental. Dir-se-ia tratar-se de uma questão de alma, almas gêmeas, se é que se pode assim dizer. Víamos nela um ser iluminado - estávamos certas de que Joly tinha alma e não zumbi - com um senso de lealdade admirável. Isso ela provava ao nos defender, quando pressentia que algum perigo nos rondava. A sua fidelidade e o seu carinho sempre fascinaram nossas almas sensíveis.
Sua morte, naquela manhã fria de agosto, foi, sem dúvida, o grande golpe de nossa vida.
Amanhecera triste, pelos cantos. Não quis comer. O olhar parado deixava transparecer uma nuvem opaca. Tentamos reanimá-la, em vão. Levamo-la ao veterinário. E o triste diagnóstico: Joly se envenenara com ervas daninhas, comidas nos verdes prados que ela tanto amou.
Ao lado do seu corpinho inerte, depositamos uma flor colhida no campo e derramamos as lágrimas mais sentidas que já choramos em toda a nossa vida.
Olhando a cruz de madeira tosca, fincada no chão que proteje, hoje, seu frágil corpinho, aquele corpinho que tanto encantou nossos dias, sentimos saudade da fiel companheira que nos acompanhava nas corridas matinais pelas emocionantes campinas da vida.

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